sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Os diferentes

Nem toda vez que nos apaixonamos isso acontece dentro de uma mesma espécie.
Muitas vezes o importante não é ser igual e sim ser tão diferente, mas tão diferente mesmo que ame-se além disso.

A pequena borboleta iria viver apenas alguns dias quando não mais fosse uma lagarta feia, já aquele imenso ogro era capaz de viver mais de cem anos.

O ogro vivia cheio de musgo e plantas que agregavam-se ao corpo dele quando ele passava por baixo de arvores e  grutas.
Ele era tão desajeitado,cheio de cicatrizes e não tinha amigos porque vivia desconfiado.

Foi em um desses passeios no meio da floresta que ao passar por um galho grudou-se nas costas dele um pequeno casulo, ficou ali preso bem próximo ao seu ouvido, e a lagarta de dentro do casulo era uma tremenda faladeira.
Aquilo foi irritando o ogro,mas como ele sempre estava sozinho achou ali algum conforto de companhia.


Até que um dia...

_Lagarta tagarela você pode parar de falar, esta anoitecendo-dizia ele

_Não posso seu ogro enorme, falar é a unica coisa que posso fazer nesse espaço reduzido em que estou

_Eu sou grande, feio,sozinho.Eu sou bravo.Como pode uma criatura tão fácil de esmagar ser tão pretensiosa, arrogante e metida como você?

_Se eu temer a você nunca vou poder morar nas suas costas, se eu lhe obedecer você vai acostumar-se a mandar em mim, não sou bonita, não sou inteligente mas eu sei ser feliz e se você me calar vai roubar de mim toda a minha alegria.
Sei que você pode me esmagar apenas fechando os dedos e então voltara a viver silencioso e sem problemas.

_Cale a sua boca,lagarta tagarela - Gritou ele ainda mais feroz, não podia permitir que ela tivesse razão.

A Lagarta assustou-se.

Apenas por aquela noite ficou muito quietinha mesmo e aquele silêncio perturbou muito o ogro.
Tanto que ele implorou para que ela falasse novamente e ela não falou, ele ficou acordado a noite toda sem poder ver como ela estava.
O dia nasceu e nada da lagarta falar.
Já no final da tarde, quando o ogro estava desesperado ele ouviu um chorinho bem baixinho.Só que ele não tinha aprendido nada e começou a rir bem alto.

O ogro tinha medo da lagarta não ser mesmo uma lagarta, ele achava que ela poderia ser alguém cruel e então a tratava com o desprezo que ela não merecia.
A lagarta ficou muito magoada mas embora bem pequena e frágil se comparada ao ogro ela ainda assim continuou ali.
Podia ter ido embora e não foi.
Não é da natureza das lagartas se desgrudar de onde estão, elas se adaptam as fraquezas e tristezas do local.

_Veja só a tagarela, teve medo de mim e calou-se, não foi?
_Não, nada disso.Não fiquei quieta por medo
_Foi porque então sua mentirosa
_Foi porque seus gritos não me amedrontam mas me deixam tão tristinha que roubam me qualquer som, apenas hoje consegui chorar,porque ontem achei que você merecia só minha conversa calada, sua solidão imensa e deixei que fosse um ogro que não tem nenhuma lagarta nas costas.

O ogro escondeu-se para chorar também, era a primeira vez que sentia tristeza em machucar alguém.
Estava tão acostumado a dor,alimentava-se de animais pequenos e nunca perguntou sobre as magoas deles, estava acostumado a ser muito mau e temido.
A pequena Lagartinha então fez lhe algum carinho,ela gostava até dos defeitos dele,alias era o que ela mais gostava,teve compaixão.
O coração de um ogro é um local imenso devia nele morar medo maior que o medo capaz de morar no coração de uma lagarta.
Ficou angustiada porque não podia sair de seu casulo,se pudesse ela iria abraça-lo.
Estavam sempre juntos e sempre separados.
Ela voltou a falar.

_Eu amo você, seu ogro indelicado.Não sou delicada só porque um dia eu serei muito colorida, sou delicada pelo que sinto e não pelo que será capaz de ver.
Aqui em meu casulo não entra luz, conte-me como é a luz?

Então eles conversaram horas e horas, a noite inteira e o dia e a noite seguinte, o ogro lhe contou como era tudo que ela não conhecia. Falou da bondade e da maldade dos animais.Ela gostava e odiava as coisas que ouvia.

Algumas vezes o ogro só queria um casulo para morar também, porque era cansativo ser ogro e sempre ser recebido com pedras e flechas nos locais.
Algumas vezes a lagarta só queria ser tão grande que nenhuma rede a amedrontasse.

Ele não mais sabia como ia ser não ter a lagarta presa em suas costas, não queria a mesma paz de antes e nada no mundo a calava e ele também não importava-se em mante-la calada.Sua irritante voz para ele era muito agradável.



_Vire borboleta logo para que eu possa vê-la  - falava o ogro
_Eu não posso-dizia ela. Serei linda aos seus olhos,só que não serei mais eterna.Vai lembrar de mim e de minha beleza e nunca mais teremos nossas conversas
_Eu irei cuidar e proteger você, o que acontece com as outras borboletas não me importa,juro que com você nunca nada vai acontecer.
_Eu nunca quis virar borboleta, por isso sou diferente das outras lagartas.Meu fim não é ser borboleta, quero ser a lagarta das costas de um ogro.

Ficavam em silêncio, porém, sempre retornavam a mesma discussão e inúmeras vezes ele a tratava como u animalzinho sem importância, como uma sangue-suga, como um verme ou parasita qualquer.Isso a magoava muito,é sempre vazio e ruim ser tratada como algo que não si é.

Finalmente um dia,  ela não conseguia mais manter suas asas esmagadas no casulo, por mais que tentasse se encolher.
As asas imensas começaram a rasgar seu refugio, num ia dar para morar escondida nas costas do ogro para todo sempre. Então ela voou.

Como era linda a borboleta!

Voou principalmente para os olhos do seu amado.
Ela parecia brilhar, dançava no ar.
Todos os animais saíram para ver aquele bale.
O ogro ficou encantado e logo depois em um único golpe prendeu dentro daquela mão imensa a borboletinha.

_Pare de ser exibida! Disse ele, agora sentia um imenso ciumes
_Eu quero voar para seus olhos,para que lembre-se do quanto somos diferentes, quero pousar no seu ombro e ver o mundo que você me contou existir, quero cantar historias e adormecer nas suas costas novamente.
_Para que seja bonita para mim,será bonita para todos.Isso não pode!Minhas mãos vão ser seu novo casulo e só meus olhos irão ver você.
_Ela agitou as asas o mais que pode.Nunca seria mais forte que as mãos imensas do ogro.

Todos sabem que após uma lagarta virar borboleta ela morre em pouco tempo.

A pequena borboleta foi ficando cada vez menor e aquelas mãos cada vez maiores,ela não falava mais com ele, nem mesmo se debatia.
Então o ogro abriu as mãos,cheio de preocupação e cuidado.
Já era tão tarde e ela não tinha força alguma para voar, estava cansada de agitar-se e ele então chorou.

O ogro chorou muito.

Lágrimas de ogro são tão raras, era a segunda vez que o ogro chorava.
Desta vez o ogro não parava de chorar, amanheceu o dia, anoiteceu e amanheceu novamente.
Cada gota de choro fazia no chão uma pequena crosta e de tanto chorar formou-se ao redor do ogro um casulo imenso e inquebrável.
Não entrava luz.

Passou muito tempo, um dia o espaço de uma ou duas lágrimas caíram e por aquele furo no casulo viu-se a pequena borboleta voar.
Ela esta viva e livre novamente,podia voar por onde quisesse, agora era eterna e  nada a iria ferir como havia prometido certa vez o ogro.

Assim que saiu do casulo tão duro pousou-se sobre ele sem ir a outro lugar.
Era sua vontade ficar, sempre foi.

Dizem que ela conversa muito com o ogro que ficou preso em sua própria dor e que cada risadinha pequena dela destrói um pedaço da casca dura onde ele mora agora.

Ninguém sabe se ele terá asas também quando sair de seu casulo.

Ela conta a ele sobre o sol, sobre a chuva, sobre a vida do lado de fora e sempre adormece sentadinha onde seria as costas do ogro.


Então anoiteceu, amanheceu,anoiteceu e amanheceu novamente...


Por Camila Alvim.




Não é exatamente uma historia para criança, mas meu filho gostou...